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sexta-feira, 29 de abril de 2011

POEMA MATUTO!



O QUE A BEBIDA ME DEU
Léo Medeiros

Foi no sítio Terra Nova
Que tudo aconteceu
A minha mãe tá de prova
Junto com um irmão meu
Eles sabe quem sou eu
Conhece minha atitude
E viro meu sofrimento
Cuma foi meu casamento
Com Maria de Gertrudes.

O destrorço começô
Num sabo de tardezinha
Eu tava pisano mie
No aipende da cozinha
Aí a minha vozinha
Que Deus tenha in bom lugá
Sentôsse num tamborete
E começô a falá
Dano concei pr’eu casá
Pr’eu saí da vida só
Si não eu ía acabá
Ficano no caritó.

Aí eu disse vovó
A senhora tem razão
Sortei a mão de pilão
E disse assim mãe querida
Mim dê a carça cumprida
A camisa e espelho
As meias e minhas butina
E um dedo de brilhantina
Mode eu passá no cabelo.

Traga também a navaia
E um pedaço de sabão
Me dê o vrido de loção
Mode eu botá um tiquin
Quebre logo meu porquin
E me dê todo dinheiro
Que hoje eu vô arrumá
Uma nega pra casá
No forró do Zé Leiteiro.

Pois mi arrumei todin
I fui pra bêra da estrada
Nisso chegô bacurin
Numa camioneta encarnada
Mi arribei na danada
Si sigurei no gigante
I o chofé no volante
Empurrô o pé sem dó
Subiu e desceu ladeira
Cum a hora de poeira
Nós cheguemo no forró.

Paguei a passáje do carro
Tanto a ida cuma vorta
Mermo sem dá nem um passo
Mi cobraro a tá da cota.
Para cumeçá na intrada
Dancei cum minha pexêra
Mais meu primo Zé Tataca
Mi disse isso é bestêra
I cumprô no butiquim
Um garrafão chei de vin
I u’as cachaças brejêra.

Eu só era acustumado
bebê ponche de limão
I nunca tinha tumado
Nada in pé de barcão.
Num sei o que deu in mim
Qu’eu misturei o vin
Com brejêra i jurubeba
Cum mais ou meno uma hora
Eu já tava só as queda.

Melado cuma um pão doce
I cum minha simpatia
Meu oiá se misturôsse
Com o oiá de Maria
Xerosa cuma uma rosa
Bunita cuma uma fror
Qui só ficô diferente
Quato dia para frente
Quondo o efeito passô.

Eu doidin para ganhá
Todo amô de Maria
Fui falá cum seu Vavá
Marido da minha tia
I este mi imprestô
Sua bicreta amarela
Eu mi arribei na cela
Emburaquei na estrada
Cum’ a hora bem marcada
Eu cheguei na casa dela.

Assim que a bicicreta
Fez o rastro no terrêro
Um vira lata latiu
De baixo dum juazeiro
Num precisô nem de Parma
Uma morena botô
A cabeça na janela
Deispois tirô a tramela
Da porta de imburana
Aí eu disse fulana
Quero que você me ajude
Me diga pra essas bandas
A donde fica a cabana
De Maria de Gertrudes.

Aí ela disse assim
Já sabeno quem eu era
Tá procurano Maria
Pois ta falano com ela.
Quando a muié disse isso
Eu quase caí pra trás
E pensei isso é feitiço
Ou obra do satanás.

Pois a bicha era magrela
Era corcunda e banguela
Tinha os beiços rachado
Falava mei embolado
E era moca dum ouvido
Era zambeta da perna
E tinha um oio de vrido
Aí eu disse comigo
Agora eu tou arrumado
Só tá faltano essa peste
Sê um diabo dum veado.

Pra compretá o azar
Tinha ainda pra criá
Três fie do finado Zuza
I eu veno todos defeito
Que a muié pissuía
Ainda fui inventá
De mim casá cum Maria .

Foi dez anos de tormento
Minha união com Maria
Que durante esse tempo
Nunca mim deu alegria
Pois tudo qu’eu pissuía
Ela tratô de dá fim
Passava o dia todin
Fuxicano nas budega
I de noite ia pro terrêro
De seu zezin macumbêro
No povoado das pregas.

Uma certa madrugada
Ela chegô do terrêro
Disse que tava espritada
Foi direto pro pulêro
Matou uma galinha preta
Dispois tirô da maleta
Um livo vei de xangô
Acendeu umas vela azú
Foi aí que o sururu
Pro meu lado começô.

De cara ela quebrô
A mesa i cristalêra
Atirô com a catuxêra
Na barriga do jumento
Rasgô os meus documento
I desmanchô um giral
Inté uma cuié de pau
Que tava dento dum tacho
Ela enfiou na goela
I puxou o cabo em baixo.

Matô um casá de canáro
Qu’eu tinha comprado caro
Do finado Zé Preá
Pegô um pá de urú
E pipinô cum punhá
E acabô cum meus piru
No jogo de pacará .

Sem nenhuma cumpaixão
Quebrô minha radiola
Queimô um paió de fêjão
Rebolô meus disco fora
Inté uma Nossa Sinhora
Benta pro Frei Damião
A peste teve coráje
De isbagaçá no xão.

Pois eu digo meu patrão
Sem tê medo de castigo
Qui tudo quanto é miséra
Essa muié fez cumigo
Mas graças a meu bom Deus
I a senhora Aparecida
Eu conseguí escapá
Das garras da maluvida
Hoje sou um hôme livre
Pronto pra vivê a vida
I acredite quem quisé
Mas em quanto vida eu tivé
Nunca mais toco in bebida.

Fim.

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